Salgado de Aveiro

«Ninguém aqui vem que não fique seduzido e noutro país esta região seria um lugar de vilegiatura privilegiado. É um sítio para contemplativos e poetas... para sonhadores e para os que gostam de se aventurar... descobrindo motivos imprevistos.» in Os Pescadores , de Raul Brandão


A costa atlântica da Península Ibérica é desde longa data conhecida pela produção de sal, sendo uma das atividades mais antigas do território português, devido às ótimas condições geográficas e climatéricas - ventos dominantes fortes e quentes durante uma parte do ano e verões de temperaturas elevadas e constantes.

Em particular, a zona de Alavarium, está desde tempos imemoriais associada à produção de sal.

O registo mais antigo que se conhece até hoje sobre o sal de Aveiro (e mais antigo de Portugal) data de 959, no qual se refere o valor das salinas de Aveiro.

RIA DE AVEIRO

Na orla ocidental da Península Ibérica está encaixada a Ria de Aveiro, sem parentesco com as da Galiza. Enquanto as Rias espanholas resultaram de vales fluviais que submergiram, a nossa laguna - o nome de Ria é menos próprio - instalou-se num terreno abatido onde vinha desaguar um rio por meio de um delta.

O arranque e crescimento da laguna ficou a dever-se, em grande medida, aos sedimentos fornecidos pelo rio Douro, sedimentos esses que foram transportados para sul, mercê da deriva litoral induzida pelas ondas dominantes que provêm do quadrante NW. Estava assim iniciada a formação de um HAFF*. 

Estávamos no século X. No séc. XI a costa marítima, onde o rio Vouga desaguaria, seria de configuração completamente diferente à atual, situando-se mais para o interior.

Dos séculos X a XVIII a deposição destes sedimentos originou a formação de um sistema de ilhas no interior da laguna, assim como de dois cordões dunares litorais, um a Norte em Espinho e outro a Sul próximo do Cabo Mondego, que isolaram o estuário do rio Vouga do oceano costeiro. Ao longo do tempo a localização da barra foi variando entre a Torreira e Mira, com períodos em que a laguna estava completamente isolada do oceano. Em 1808 foi construída a actual barra, fixada por dois molhes.

A apropriação da paisagem natural da laguna pelo Homem levou à sua modelação, ao longo de vários séculos. Estamos perante uma Paisagem cultural que reflete os valores da sociedade que a gerou, as circunstâncias materiais e as vantagens oferecidas pelo seu ambiente natural.

Dinâmica

A dinâmica da Ria de Aveiro é determinada pela interacção entre a água salgada oceânica que entra através da embocadura e a água doce de origem fluvial.

Os rios Vouga e Antuã constituem as principais fontes de água doce, com caudais médios anuais, respectivamente, de 50 m3/s e 2,4 m3/s. A laguna acolhe ainda os caudais fluviais provenientes, a norte, dos rios Cáster, Gonde e Fontela e, a sul, do rio Boco. Na costa ocidental de Portugal a maré propaga-se de Sul para Norte, entrando no interior da Ria através do canal da Embocadura e espalhando-se a baixa velocidade ao longo dos vários canais. Na embocadura a sua amplitude varia entre 3,3 m em maré viva e 0,6 m em maré morta.

A laguna apresenta uma forte influência marinha, sendo o conteúdo em sal das suas águas junto à embocadura próximo do observado para a água do mar (36 psu ≈ 36 g sais/1 kg água salgada), decrescendo com o afastamento à barra.

(Variação da salinidade ao longo da Ria de Aveiro)

Este padrão está sujeito a variações sazonais. Durante o Verão, devido aos reduzidos caudais fluviais, a salinidade média no interior da Ria é bastante mais elevada do que durante o Inverno, em que a água do mar é diluída pela água doce proveniente dos rios.

*palavra alemã que significa uma espécie de laguna separada pelo mar por um cordão de areia

Para saber mais "Origens da Ria de Aveiro - Orlando de Oliveira"

Salgado de Aveiro

O sal é o brilho da cidade de Aveiro e o Salgado aveirense uma Paisagem Cultural local e regional.

O  "salgado aveirense" evoluiu ao longo dos tempos. A sua localização obedece a uma condição indispensável - situar-se em terrenos inferiores ao nível das águas vivas.

Além desta condição fundamental o salgado está a uma distância apreciável do mar, mas suficientemente perto para sentir os efeitos das marés; deve situar-se numa região plana; onde o solo, mesmo que arenoso, contenha argila que lhe dê uma certa impermeabilidade e, por fim, deve situar-se em regiões cuja evaporação bruta exceda a precipitação.

Atendendo a isto, o salgado situa-se, na laguna, em terrenos planos e a uma cota inferior ao nível das marés vivas de modo a ficarem descobertos na baixa-mar e completamente alagados na preia-mar (maré cheia). 

O salgado correspondeu assim à área “da Ria de Aveiro ocupada pelas marinhas”, com cerca de 1 500, abrangendo os concelhos de Aveiro (freguesia da Gloria e Vera Cruz, Aradas e Esgueira) e de Ílhavo (freguesia de S. Salvador). A sua localização e organização foram determinadas por critérios impostos para o desenvolvimento da atividade salícola. 

Ocupando uma área de cerca de 2600 ha, incluindo áreas produtivas e não produtivas, o Salgado de Aveiro encontra-se organizado em 5 grupos:

A partir desta classificação geral os marnotos consideram que o grupo do norte é o melhor, porque as marinhas dispõem de mais território (proporcionando maiores viveiros e bons mandamentos) e a sua localização na Ria permite-lhes um abastecimento de água com boa concentração, e o grupo do Monte de Farinha o mais vulnerável à ação erosiva do mar e consequentes despesas de conservação e exploração.

Dado a localização do Salgado o acesso a algumas marinhas, só é possível de barco, através dos ramais da Ria (casos Ilha dos Puxadoiros e 18 Carabonetes), com exceção das marinhas que se encontram junto a terra, com acessos por estrada, nomeadamente as que se situavam nos Grupos do Sul e de S. Roque ou Esgueira. 

Se o último "grande" registo de 1956 contabilizava quase 270 marinhas ativas, hoje perduram apenas 9.  

Verifica-se uma grande degradação do mosaico das marinhas abandonadas. O pontuar dos montes de sal e do mosaico geométrico das salinas só é possível de ser percecionado, isto é, num efeito de conjunto, na zona do Ecomuseu da Marinha da Troncalhada, por aí existirem várias marinhas ainda em atividade - da ponte das comportas é possível ver 6 marinhas próximas. No entanto, o pontuar de montículos no horizonte é algo que já não é possível de observar como no passado.

O Salgado passou por diferentes fases, ver Passado e Atualidade, mas foi durante largos séculos o grande sustento das famílias de Aveiro.